sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Os degraus da sétima arte

Saindo um pouco do gênero literário, vamos falar um pouco sobre cinema. Recentemente fiz um trabalho sobre a análise das diferenças de contexto entre as cenas de duas produções cinematográficas bem conhecidas. Vamos a elas.


O Encouraçado Potemkin
Diretor: Sergei Eiseinstein
Elenco: Alexander Antonov, Vladimir Barsky, Grigory Alexandrov, Marusov, Mikhail Gomorov
Ano de produção: 1925
Obra prima de Eiseinstein, “O encouraçado Potemkin” retrata fase do período czarista. A Rússia iniciava seu desenvolvimento industrial utilizando-se de investimentos estrangeiros. O governo era autocrático e o poder centralizado.
Em 1905, marinheiros de um navio do czar se rebelam contra a tirania dos comandantes e tomam o controle do Potemkin. Após saber da morte de um marujo por causa de ‘um prato de sopa’, a população do porto de Odessa passa a apoiar o levante. As forças repressoras do regime czarista, então, esmagam o movimento com exacerbada violência.

Os Intocáveis
Diretor: Brian De Palma
Roteiro: David Mamet
Elenco: Kevin Costner, Robert De Niro, Sean Connery, Andy Garcia,  Charles Martin Smith
Ano de produção: 1987
Um dos mais emblemáticos filmes de De Palma, “Os intocáveis” mostra a Chicago dos anos 30, na época da ‘Lei Seca”.
Elliot Ness é um agente federal encarregado de capturar o gângster Al Capone, célebre chefe da máfia. Por causa da corrupção dentro do próprio sistema policial, as tentativas de Ness em deflagrar as ações do bando acabam frustradas. Após ser humilhado pelos jornais, o agente resolve reunir um grupo de homens confiáveis e incorruptíveis para auxiliá-lo na empreitada. O primeiro a se juntar a equipe é Jim Malone, experiente policial e mentor de Ness. Em seguida, eles convocam George Stone, um italiano que acabara de ingressar na Academia e exímio atirador. O quarto integrante é Oscar Wallace, contador que ficaria responsável por analisar se Al Capone estava omitindo informações do imposto de renda.

Tema da análise:
Escadaria do Porto de Odessa – O encouraçado Potemkin (EISEINSTEIN, SERGEI – 1925) Escadaria da estação de trem – Os Intocáveis (DE PALMA, BRIAN – 1988)

A produção russa, após a revolução de 1917, não apenas no cinema, mas nas artes em geral, adotou o modelo ‘realismo socialista’. Apesar das produções receberem financiamento do Estado, que tinha o objetivo de divulgar uma nova ideologia, outra forma de ver o mundo (inacessível ao cidadão comum), a ditadura stalinista estava em seu início e ainda não havia uma política acabada para a cultura. Este era um fator importante, pois garantia certa liberdade a artistas e intelectuais. A idéia era a de que a arte não tem que ser decorativa, mas sim assumir uma função social (construtivismo). Para o inquieto Sergei Eiseinstein, o ‘fazer alguma coisa’ só tem sentido no contexto coletivo, e o diretor mostra isso muito bem no filme “O encouraçado Potemkin”.  A ideologia de Eiseinstein está presente nesta obra por meio do retrato da intolerância humana, seja de qualquer origem ou período histórico. Ele não estava preocupado com a narrativa linear, pois o que dava sentido ao filme eram a montagens de atrações e intelectual – blocos de ação com uma temática, com a intenção de causar êxtase. Ou seja, uma imagem não tem sentido sozinha. A iniciativa de Eiseinstein de colocar os dois planos juntos, totalmente diferentes, em sequência, foi uma inovação para o cinema da época, cheio de planos gerais ou ultra-closes. Esses planos criam um sentido conseqüente e dialogam com o público (montagem dialética).

A cena mais famosa do longa é a da escadaria de Odessa, onde os cidadãos que apóiam o movimento dos marinheiros do Potemkin são barbaramente assassinados pelos soldados Cossacos. Em um jogo de câmera interessante, que serve para que o diretor tome parte no conflito, as vítimas permanecem sempre em close, e os algozes aparecem como ‘sombras’, configurando os elementos emocionais presentes. Em grandes momentos de tensão, o som da música se alterna, entre um crescendo frenético e depois interrompido em diversos instantes. A movimentação dos personagens é caótica, exceto os soldados, que figuram em absoluta ordem, como uma muralha descendo sobre a multidão. As cenas cruciais são a do desespero da mãe ao perceber que seu bem mais precioso havia sido levado por causa de uma briga injusta e cruel e a do carrinho com o bebê descendo as escadas, desgovernado em meio ao tiroteio. A tensão é provocada por meio dos movimentos ousados que Eiseinstein faz com as câmeras, em diversas panorâmicas e elevações, assim como nos closes dos rostos torturados pelos instantes de terror da repressão.
 

O primor de Eiseinstein recebeu, 62 anos depois, uma homenagem à altura, concedida pelo cineasta Brian De Palma. Conhecedor de planos e enquadramentos, dono de estética visual marcante e dominador da linguagem narrativa, De Palma sabe manipular a tensão e dirigir tomadas de ação. Embora esteja num outro contexto, a cena das escadas em “Os intocáveis” não provoca menos calafrios no espectador. Na escadaria da estação de trem, uma mãe desesperada vê o carrinho que leva o seu bebê descer vertiginosamente em meio aos projéteis disparados entre agentes da lei e mafiosos. O diretor organizou as tomadas em câmera lenta e, ao mesmo tempo em um ritmo alucinante. O suspense é garantido pelos instantes silenciosos e lentos em que Elliot Ness espera pelo guarda-livros de Capone, gerando grande expectativa. Os closes se alternam entre o relógio, a figura extremamente tensa de Ness, e os poucos passageiros que entram e saem da estação.

O filme “Os intocáveis” procurou expressar a realidade da máfia, da corrupção político-social presente na sociedade, assim como “O encouraçado Potemkin” deixou bem clara a questão das diferenças sociais promovidas pelo homem. No entanto, na obra de De Palma o bem vence o mal, com a moral de que o crime não compensa, bem ao estilo americano. Quanto aos conflitos ocorrentes desde o princípio da humanidade, na busca incessante pelo poder e pelo ouro, sacrificando todos os tipos de vida no planeta, quando irão terminar? Nem mesmo o mais experiente e brilhante cineasta pode prever...

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